Também conhecido como dívida técnica, o débito técnico é um conceito no desenvolvimento de software utilizado para representar o custo implícito de uma implementação ou solução pensada somente no agora, elaborada para suprir demandas atuais, em vez fazer uso de uma abordagem de melhor qualidade. O motivo por trás de tudo isso? Diminuir o tempo de lançamento de determinado produto de software.
Mesmo que tenha se originado no setor de tecnologia, este conceito recebe o nome “débito técnico” devido a uma inspiração no mercado financeiro. Isso porque, as suas consequências se assemelham a uma dívida financeira, de cartão de crédito que, quando não quitada, faz com que você tenha que arcar com juros altos ao longo do tempo, aumentando ainda mais a dificuldade em pagá-la. Além disso, em termos de software, esta dívida cria a dificuldade de manutenção de código, e gera ainda mais atrasos e mudanças no produto final.
Neste conteúdo, vamos te nortear a respeito dos débitos técnicos com algumas dicas gerais. Confira!
Como zerar?
É impossível zerar o débito técnico! Você não leu errado. É isso mesmo: acreditar que a solução de todos os seus problemas é acabar com todo o débito técnico do seu projeto, é um tanto quanto ingênuo. A dívida técnica é inevitável e, portanto, sempre irá existir. A única coisa que nos resta fazer é controla-la o máximo possível.
Um exemplo disso é o envelhecimento de um código com o passar do tempo. Parece simples, mas é uma dívida técnica. Portanto, se você ou seu time está na luta para não ter débito técnico, saiba que isso é ruim, e é uma situação que recebe até um nome específico: Gold Plating.
Gold Plating
No setor de projetos, o gold plating representa o ato de entregar mais do que aquilo que foi solicitado pelo cliente. Uma atividade comum, mas que muitos ainda não compreendem o quão prejudicial ela pode ser.
Quando você entrega algo além dos desejos do cliente, pode acreditar que está deixando-o ainda mais satisfeito com o trabalho da sua equipe. No entanto, a situação pode ser exatamente o contrário e você acaba oferecendo soluções das quais ele não precisa ou deseja, causando uma insatisfação que poderia ser evitada.
A tentativa de acabar com todo e qualquer débito técnico existente em um projeto é uma das grandes responsáveis pela existência de tantos gold plating no setor de tecnologia, algo que causa diversas consequências aos projetos, que podem estar ligadas desde ao encarecimento dos produtos, da geração falsas expectativas aos clientes até o aumento dos riscos para o projeto e para a equipe.
Motivos do surgimento de um débito técnico
Os débitos técnicos podem surgir por diversos motivos, desde o fator tempo, citado acima, até situações mais delicadas.
Correr contra o tempo e trabalhar com prazos muito curtos faz com que a equipe deixe de olhar para a qualidade do produto, pensando apenas na velocidade para concluir tarefas. Por este motivo, estipular entregas em períodos de tempo irreais é uma das principais causas de débito técnico.
No entanto, existem outros motivos que provocam as dívidas técnicas. São eles:
- Falta de conhecimento técnico;
- Escolha de tecnologia inadequada;
- Passar do tempo;
- Falta de uma metodologia de desenvolvimento iterativa (sem feedback e teste do cliente).
Tipos de débito técnico
Além das diversas causas, existem 4 tipos de débito técnico, e podemos classificá-los da seguinte maneira, através do “Quadrante de Dívida Técnica, de Martin Fowler:

- Imprudente intencional: “Sabemos do problemas mas, não vamos resolver!”
- Imprudente não intencional: “Trabalhar com uma nova linguagem de programação”
- Consciente intencional: “Temos um prazo X, precisamos entregar com esse problemas, depois corrigimos”
- Consciente não intencional: “Agora que entregamos o projeto sabemos como deveríamos ter feito.”
Débito técnico em Startups
Quando falamos de Startups, sempre falamos também sobre agilidade para testar hipóteses. Dessa maneira, muitas empresas acabam aceitando – até demais – o débito técnico em prol de lançarem seus produtos o mais rápido possível no mercado.
Este é um assunto um tanto quanto complexo e, para falarmos sobre isso, precisamos dividir as startups em duas etapas:
Antes do product-market-fit
Nesse momento, o objetivo principal da startup é validar seu modelo de negócio. E, sim, nessa fase é muito importante lançarmos o MVP o mais rápido possível. Aqui um pouco de débito técnico vale a pena, desde que esteja no quadrante “Consciente e intencional”.
Esta situação se justifica, pois é muito importante decidir o que será deixado de lado para que, em um futuro próximo, estes itens possam ser tratados sem muitos problemas. Nesse momento, especialistas e desenvolvedores podem fazer a diferença.
Escalando
Nessa fase é importante evitar ao máximo a dívida técnica e, inclusive, matar alguns débitos da fase anterior. A partir de agora, surgirão problemas de performance, usabilidade e arquiteturas, por exemplo, que são frutos de dívidas passadas.
Aqui, todo o cuidado é pouco! Afinal, como dito anteriormente, quanto mais débito deixamos, mais difícil fica trabalhar na manutenção do projeto. A partir daí precisamos ser mais exigentes em relação à qualidade do nosso código: defina padrões, faça ainda mais testes e invista em tudo o que for necessário para garantir um alto nível de qualidade.
O impacto negativo da IA no desenvolvimento
A IA tá ajudando a acelerar muito na entrega de código, mas também tá criando dívida técnica mais rápido do que muitos times conseguem pagar.
A pesquisa da GitClear mostra que a duplicação de código cresceu quase 8x em projetos com uso intenso de IA. Outro estudo da Microsoft mostra que 84% dos devs relataram mudanças no seu fluxo de trabalho com IA, mas muitos ainda não confiam totalmente no código gerado.
Um estudo conduzido por pesquisadores de Stanford reforça esse alerta. Eles analisaram como desenvolvedores interagiam com assistentes de código baseados em IA para resolver problemas de segurança e descobriram que:
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Usuários com acesso à IA escreveram códigos menos seguros em 4 das 5 tarefas propostas.
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Esses mesmos usuários acreditavam que o código estava seguro — mesmo quando havia falhas sérias, como SQL injection, uso de bibliotecas inseguras ou ausência de autenticação em criptografia.
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A confiança excessiva nos resultados da IA contribuiu para decisões ruins. Muitos simplesmente copiaram as sugestões sem revisar criticamente.
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A IA raramente aplicou boas práticas de segurança sozinha (como canonicalização de paths ou uso de prepared statements).
Esse comportamento gera não só riscos de segurança imediatos, mas também dívida técnica acumulada que só vai aparecer quando o código for mantido, escalado ou auditado.
A consequência disso:
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Mais código sendo gerado.
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Menos refatoração.
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Padrões inconsistentes.
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Mais falhas de segurança e manutenção escondidas.
Ou seja: mais dívida técnica.
Como medir o débito técnico?
Medir dívida técnica nunca foi simples. A gente tá falando de algo que, na maioria das vezes, é invisível. Estruturas ruins no código, atalhos que ficaram pra depois, trabalho não feito. Mesmo assim, se não dá pra medir, também não dá pra gerenciar. Separei algumas métricas e indicadores quantitativos que pode te ajudar:
Technical Debt Index
O Índice de Dívida Técnica mostra quanto tempo o time precisaria para corrigir todos os problemas de manutenibilidade do código. Ferramentas como o SonarQube fazem esse cálculo somando o tempo estimado para consertar cada code smell encontrado. Por exemplo, uma hora para refatorar uma função complexa, trinta minutos para remover código duplicado e assim por diante. No fim, você tem uma ideia clara do tamanho da dívida. Algo como “temos doze dias de correções acumuladas”.
Debt Ratio
Debt Ratio é a relação entre o custo de corrigir toda a dívida técnica e o custo total de desenvolver o software até agora. É um jeito de medir o quanto o projeto está “comprometido” tecnicamente em relação ao tamanho que ele já tem.
O cálculo é simples: divide-se o esforço estimado para pagar a dívida técnica pelo esforço estimado de desenvolvimento do sistema. Esse esforço pode ser estimado com base em volume de código, complexidade e outros fatores.
Um Debt Ratio de 0.2 (20%) quer dizer que seria necessário investir 20% do trabalho original pra limpar a dívida. Já um valor acima de 1 (100%) indica que a bagunça tá tão grande que seria mais barato reescrever o sistema do que consertar.
É uma métrica útil pra ter uma noção mais estratégica da saúde do projeto e avaliar se a dívida está sob controle ou se passou da linha de risco
Duplicação de código
Avalia o percentual do código que está duplicado em diferentes partes do sistema. Duplicações aumentam o custo de manutenção e o risco de bugs, porque qualquer mudança precisa ser feita em vários lugares. É um dos sinais mais diretos de passivo técnico.
Cobertura de testes
Indica a porcentagem do código que está coberto por testes automatizados. Uma cobertura baixa aponta para uma dívida de teste. Quanto menor a cobertura, maior o risco de regressões e menor a confiança em refatorações. Cobertura alta não garante qualidade, mas cobertura baixa quase sempre é um problema.
Tamanho de métodos e classes
Mede a quantidade de linhas por método ou classe. Trechos muito longos costumam ser menos coesos, mais difíceis de entender e mais propensos a bugs. Essa métrica é útil pra identificar oportunidades de extração, divisão de responsabilidades ou modularização.
Tickets de dívida técnica
Uma forma bem comum e prática de acompanhar a dívida técnica em times ágeis é registrar tudo diretamente no backlog, como tickets marcados como “Tech Debt” ou “Refactor”. Esses itens funcionam como tarefas técnicas pendentes que precisam ser tratadas, mas que muitas vezes acabam sendo deixadas de lado por causa das entregas de produto.
Com isso, dá pra usar a quantidade de tickets ou a soma dos story points como métrica do backlog de dívida. Por exemplo, uma equipe pode ter 30 tickets de dívida técnica acumulados, somando 60 pontos. Isso já dá uma ideia mais concreta do tamanho da pendência.
Mas tem um ponto importante. Essa métrica só funciona se o time for disciplinado. Se ninguém registra as dívidas ou se os tickets não são estimados direito, os dados ficam distorcidos e não ajudam em nada. É um indicador útil, mas depende muito da seriedade com que o time trata a própria dívida.
Qualidade interior vs. qualidade exterior
Alguns sinais de dívida técnica não estão no código em si, mas no que acontece fora dele. Por isso, vale olhar para métricas que refletem o impacto da qualidade no produto entregue.
Code churn
Code churn mede quanto código é alterado, descartado ou reescrito em um curto espaço de tempo. Um aumento nesse número pode indicar retrabalho constante, soluções mal pensadas ou entregas feitas no improviso — tudo isso tem cheiro de dívida técnica.
Esse sinal fica ainda mais relevante quando o churn acontece logo após um merge. Isso pode apontar decisões apressadas, pressões de prazo ou até uso excessivo de código gerado por IA. Um estudo recente mostrou que o code churn deve dobrar entre 2023 e 2024, reforçando essa hipótese de mais retrabalho em menos tempo.
Defeitos por KLOC
Outra métrica externa importante é o número de bugs ou incidentes por mil linhas de código (KLOC). Quando esse número é alto, ele indica que a base de código está propensa a erros e instabilidade — o que, muitas vezes, é reflexo direto de dívidas que foram empurradas para frente.
Se os bugs acontecem sempre nos mesmos módulos, vale investigar: será que ali tem alguma dívida ignorada ou uma decisão técnica mal resolvida?
Como tratar a dívida técnica
Dívida técnica não é algo que dá pra apagar do sistema inteiro. E tudo bem. O importante é que ela seja intencional, visível e tratada com prioridade quando fizer sentido. Aqui vão algumas práticas que funcionam na vida real:
1. Classifique por impacto e risco
Nem toda dívida merece atenção agora. Um módulo legado que ninguém mexe há dois anos pode esperar. Já aquele ponto crítico do sistema onde toda alteração quebra algo deveria estar no topo da lista.
2. Crie uma rotina de refatoração leve
A famosa regra do escoteiro: “deixe o código um pouco melhor do que encontrou”. Melhorias pequenas, feitas com frequência, acumulam valor e ajudam a evitar que a dívida cresça de novo.
3. Negocie tempo técnico com produto
Alguns times separam de 10 a 20% da sprint só pra tratar dívidas. Outros fazem sprints técnicas a cada quatro ou cinco de feature. O formato é o de menos — o que importa é ter um acordo visível e sustentado entre produto e engenharia.
4. Meça a dívida e leve os dados pra mesa
Dívida técnica também é dado de produto. Mostre nas reuniões com stakeholders como ela impacta bugs, retrabalho, performance e velocidade de entrega. Quando o problema vira métrica, vira prioridade.
5. Não pague dívida sem retorno claro
Refatorar por refatorar não vale a pena. Cada pagamento de dívida precisa destravar algo: uma nova feature, uma redução de bugs, uma performance melhor ou simplesmente um código mais fácil de entender.
Estudos mostram que empresas que conectam o pagamento da dívida técnica com objetivos de negócio tomam decisões melhores e reduzem com mais eficiência o impacto da dívida.
O papel do Code Review na prevenção da dívida técnica
Um dos jeitos mais diretos de evitar que dívida técnica entre no código é fazendo bons code reviews. E isso vai muito além de pegar um bug óbvio.
Revisões ajudam a:
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Evitar duplicações e lógica inconsistente.
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Manter padrões e boas práticas vivas no time.
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Criar pontos de atenção pra refatoração futura.
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Reduzir a complexidade incremental do sistema.
Mas a revisão manual tem dois problemas clássicos: tempo e consistência. Quando o time tá sobrecarregado ou quando o revisor não tem contexto, muita coisa escapa.
É aqui que a IA realmente pode ajudar..
A Kodus, por exemplo, criou um agente de code review , que atua diretamente nos pull requests. A Kody observa os comentários que seu time faz nos PRs e aprende com isso. Quando padrões começam a se repetir — como “não usar new Date()
direto”, ou “essa função está muito grande”, ela passa a sugerir sozinha esses mesmos comentários, do jeito que o time costuma escrever.
Além disso, a Kody permite configurar regras específicas que são validadas automaticamente no PR. Essas regras cobrem pontos como:
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Boas práticas do time (ex: injeção de dependência, formatação de datas).
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Padrões de segurança (ex: evitar
eval
, tratamento de erros). -
Consistência entre módulos (ex: nomenclatura, arquitetura).
O resultado?
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Menos comentários repetidos.
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Revisões mais rápidas.
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Mais consistência entre PRs.
Você pode testar ela no seu repositório.
E o principal: menos dívida técnica entrando na base por descuido, pressa ou falta de contexto. A IA não está ali pra substituir o reviewer, mas pra garantir que o mínimo de qualidade e padrão seja seguido sempre, mesmo quando o time está no limite.