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Dívida técnica vs. novas funcionalidades: como definir prioridades
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Dívida técnica vs. novas funcionalidades: como definir prioridades

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Toda reunião de planejamento parece acabar no mesmo lugar. A engenharia traz um serviço legado que está ficando mais lento e difícil de fazer deploy, enquanto o produto aparece com uma nova funcionalidade apoiada por pedidos de clientes e um caso de negócio claro. Essa é a tensão constante do desenvolvimento de software, em que o roadmap vira um campo de batalha entre corrigir a dívida técnica e construir o que vem a seguir.

O problema é que essas conversas muitas vezes se baseiam em feeling, o que leva a um ciclo em que funcionalidades urgentes sempre vencem, até que algo quebre feio.

Com o tempo, o custo de ir empurrando isso com a barriga começa a aparecer.

Não é algo que explode de uma vez, é uma perda gradual de velocidade. Mudanças simples passam a mexer em dezenas de arquivos, o build fica cada vez mais lento, e o time começa a evitar certas partes do código porque qualquer coisa ali pode quebrar.

Isso impacta diretamente a moral.

Esse atrito não é só um incômodo, ele vira um imposto direto sobre cada funcionalidade que você tenta construir e aumenta o risco operacional a cada deploy.

Reenquadrando a Dívida Técnica: nem toda dívida é igual

O próprio termo “dívida técnica” pode ser um problema, porque ele é amplo demais. Ele coloca no mesmo saco um workaround rápido que você implementou conscientemente para cumprir um prazo e uma parte crítica da arquitetura que foi se degradando ao longo de cinco anos.

Para tomar decisões melhores, precisamos começar separando essas coisas.

Nem toda dívida é criada igual, e tratá-la como um problema único e monolítico é um dos motivos pelos quais falhamos em atacá-la de forma sistemática.

Entendendo a natureza da sua dívida técnica

Uma forma mais útil de pensar nisso é categorizar o trabalho. A dívida foi intencional ou emergente?

Dívida intencional é um trade-off consciente. Você pode ter deixado de escrever testes abrangentes para validar uma funcionalidade com um cliente piloto, ou usado um modelo de dados mais simples para colocar um MVP no ar rapidamente. Muitas vezes isso é uma decisão de negócio razoável, desde que exista um plano para lidar com isso depois. O ponto-chave é que foi uma escolha deliberada, com um escopo conhecido.

Dívida emergente é o que acontece com a evolução natural de um sistema. Vários times contribuem com código, requisitos mudam, e padrões de arquitetura que faziam sentido dois anos atrás hoje viraram gargalos. Ninguém tomou uma decisão “errada” isoladamente, mas o acúmulo de mudanças levou a um sistema complexo e frágil. Esse tipo de dívida costuma ser mais perigoso, porque é mais difícil de definir e não tem um dono claro.

Diferenciar um compromisso aceitável de uma degradação arquitetural crítica é o primeiro passo. Um caso exige apenas agendar uma tarefa conhecida, enquanto o outro pode exigir um projeto de descoberta dedicado só para entender o tamanho do problema.

Além do feeling: a necessidade de decisões deliberadas

Sem um framework claro, a priorização vira uma disputa de opiniões. Engenheiros dizem que um sistema é “difícil de mexer”, enquanto o gerente de produto aponta para uma projeção de receita. O problema de priorizar no improviso é que a voz mais alta ou o prazo mais imediato costuma ganhar. É assim que surgem projetos de vários trimestres para “modernizar a plataforma”, que só são aprovados depois de um grande incidente, em vez de pequenos investimentos consistentes ao longo do tempo.

Um framework consistente tira a conversa do campo das sensações e leva para o impacto. Ele cria uma linguagem comum para discutir trade-offs com stakeholders não técnicos e garante que a saúde do sistema no longo prazo não seja sempre sacrificada por ganhos de curto prazo. A ideia é tornar visível, para todos, o custo real tanto de construir uma funcionalidade quanto de ignorar um problema.

Um jeito mais claro de definir prioridades

Um bom framework força você a avaliar tanto dívida técnica quanto novas funcionalidades usando critérios semelhantes: impacto, custo e risco. Em vez de comparar coisas incomparáveis, você passa a avaliar ambos os tipos de trabalho com base em como eles afetam o negócio, o cliente e o time.

Avaliando o impacto da dívida técnica

Para defender a correção de algo, você precisa articular seu impacto específico e mensurável. É aqui que engenheiros costumam errar, usando termos vagos como “qualidade de código” ou “manutenibilidade”. Para tornar isso concreto, foque em quantificar a dor em três áreas:

1 – Risco operacional: Qual a probabilidade disso causar um incidente? Afeta a estabilidade, segurança ou performance do sistema? Por exemplo: “Essa query sem índice está fazendo a carga do banco disparar e já gerou alertas P2 duas vezes no último mês. É questão de tempo até causar um outage grande.”

2 – Atrito para desenvolvedores: Quanto tempo está sendo desperdiçado? Isso está ligado à velocidade do time. Dá para medir em builds lentos, setup local complexo ou tempo gasto depurando testes flaky. Por exemplo: “O pipeline de CI desse serviço leva 45 minutos para rodar. Com cinco desenvolvedores trabalhando nele, perdemos mais de 10 horas produtivas por semana só esperando builds.”

3 – Bloqueios futuros: Essa dívida impede ou desacelera o desenvolvimento de funcionalidades futuras? Esse é um argumento forte. Por exemplo: “Não conseguimos construir a nova funcionalidade de relatórios porque o modelo de dados atual não suporta as agregações necessárias. Precisamos refatorar antes.”

Avaliando o valor de novas funcionalidades

Da mesma forma, novas funcionalidades precisam ser analisadas além do pitch inicial. Toda funcionalidade tem um custo de oportunidade, e é importante entender o valor real que ela entrega. O objetivo não é bloquear features, mas ter uma visão clara do que você está priorizando.

Valor para o negócio: Qual é o resultado esperado? Está diretamente ligado a receita, aquisição ou retenção de usuários? Os números vêm de dados sólidos ou de suposições? Uma funcionalidade que projeta aumentar a receita em 10% é muito diferente de uma que é apenas “nice to have” para um pequeno grupo de usuários.

Alinhamento estratégico: Como isso se encaixa na visão central do produto? É um diferencial importante frente aos concorrentes ou uma distração do que realmente importa? Às vezes funcionalidades são construídas para fechar um contrato ou atender um cliente chato, mas acabam puxando o produto para a direção errada.

Custo do atraso: Essa é uma pergunta crítica. O que acontece se entregarmos isso no próximo trimestre em vez deste? Para algumas funcionalidades, o atraso significa perder uma janela de mercado ou um evento sazonal. Para outras, o impacto é mínimo. Entender a urgência ajuda a fazer um trade-off racional.

A matriz de priorização: equilibrando risco e retorno

Depois de avaliar os dois lados, você pode começar a tomar decisões. Não é preciso uma planilha complexa; um modelo mental simples ou uma sessão no quadro branco já ajudam a visualizar as prioridades. Pense nisso como uma matriz 2×2, em que um eixo é “Impacto/Valor” e o outro é “Esforço/Complexidade”.

Posicionando dívida e funcionalidades para tomar decisões

Ao posicionar os itens, você consegue definir critérios claros do que fazer com cada um. Um item de dívida técnica com alto risco e que bloqueia novas funcionalidades deve ser tratado com a mesma urgência que uma funcionalidade de alto valor. Uma dívida de baixo atrito, que não causa dano imediato, provavelmente pode ser adiada.

Esse processo ajuda a definir categorias claras de trabalho:

Corrigir agora: Alto risco operacional, atrito significativo para desenvolvedores ou bloqueio para uma funcionalidade crítica que está por vir. São equivalentes a um incidente em produção esperando para acontecer.

Agendar: Importante, mas não urgente. Pode ser um projeto de refatoração que melhoraria bastante a velocidade do time ou uma funcionalidade com um caso de negócio claro, mas sem prazo rígido. Esse trabalho deve ser explicitamente planejado para um próximo sprint ou trimestre.

Adiar: Baixo impacto, baixo risco. É aquele código bagunçado, mas funcional, de que os desenvolvedores reclamam, mas que não desacelera ninguém nem representa uma ameaça real. É importante reconhecer esses problemas, mas também concordar em não trabalhar neles agora.

Integrando a priorização ao seu ciclo de desenvolvimento

Esse framework não pode ser um exercício pontual. Ele precisa fazer parte do ritmo operacional do time. Isso significa criar espaço no processo de planejamento para discutir e priorizar trabalho técnico junto com funcionalidades.

Na prática, isso pode significar dedicar uma porcentagem fixa de cada sprint (por exemplo, 20%) para melhorias técnicas planejadas. Também pode significar dar autonomia para os times lidarem proativamente com a dívida técnica local, permitindo que pequenos problemas sejam corrigidos no momento em que aparecem, sem precisar de aprovação para cada refatoração pequena. O ponto central é tornar essas discussões transparentes e envolver produto e stakeholders de negócio. Quando você consegue explicar que corrigir uma query lenta no banco vai destravar três funcionalidades futuras e reduzir o risco de outages, a conversa deixa de ser “engenheiros querendo refatorar” e passa a ser sobre fazer um investimento inteligente no futuro do produto.

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