Quem nunca passou por isso? Você abre um arquivo para corrigir um bug simples e encontra um bloco de JavaScript confuso, sem comentários e cheio de soluções improvisadas. Só para entender o que uma função faz, já é preciso gastar um tempo enorme. Melhorar a qualidade do código JavaScript do time não é buscar um ideal abstrato de perfeição; é uma necessidade prática para entregar software mais rápido, com menos bugs e sem sobrecarregar a equipe.
Por muito tempo, tratei qualidade de código como algo “bom de ter”, que a gente olharia “quando sobrasse tempo”. Eu estava errado. Muito errado. Código de baixa qualidade não é apenas um problema técnico; é um problema de velocidade, de moral da equipe e, no fim, de produto.
O objetivo aqui não é criar uma lista de regras rígidas. É apresentar um guia prático com princípios, ferramentas e mudanças de cultura que realmente fazem diferença.
O que significa código “bom” de verdade
Antes de mergulhar nas ferramentas, precisamos concordar no que estamos buscando. Código de alta qualidade não é sobre escrever o one-liner mais inteligente ou usar a feature experimental mais recente. Tudo se resume a três coisas.
1. É legível e consistente
Código é lido com muito mais frequência do que é escrito. Seu público principal não é o compilador; é o próximo ser humano que vai ter que mexer no seu código (e esse humano muitas vezes é uma versão futura sua, com pouco sono).
- Siga um guia de estilo. Não importa se você prefere tabs ou espaços, ou onde coloca as chaves. O que importa é que todos no time façam do mesmo jeito. Escolha um (como o do Airbnb) e automatize.
- Use nomes claros. Uma variável chamada
data
é um mistério. Uma variável chamadafetchedUsers
conta uma história. Bons nomes são a forma mais barata e eficaz de documentação. - Escreva código autodocumentado. Busque um código tão claro que quase não precise de comentários. Se você precisa de um comentário para explicar o que um bloco de código faz, provavelmente deveria refatorá-lo para uma função com um bom nome.
2. É fácil de manter
Código fácil de manter é código fácil de alterar. Quando um pedido de nova feature chega ou um bug é descoberto, você consegue mergulhar no código, fazer a correção e ter a confiança de que não quebrou outras dez coisas.
- Adote a modularidade. Pense pequeno. O Princípio da Responsabilidade Única não é só jargão acadêmico; é um salva-vidas. Uma função deve fazer uma coisa. Um componente deve representar uma parte da UI. Isso torna o código mais fácil de entender, testar e substituir.
- Evite aninhamento profundo. Um
if/else
ou uma série de callbacks muito aninhados são um sinal de alerta. É um túnel cognitivo do qual é difícil escapar. Procure maneiras de retornar mais cedo (early return) ou quebrar a lógica em funções menores. - Desacople seus componentes. Você consegue reutilizar este componente de UI em outra parte da aplicação sem arrastar um monte de dependências com ele? Se a resposta for não, ele está muito acoplado.
3. É testável
Se você não consegue testar um trecho de código facilmente, é sinal de um problema de design mais profundo. Escrever código testável te força a construir unidades menores e mais independentes — o que, não por acaso, também o torna mais fácil de manter e mais legível.
Testabilidade é sobre confiança. É a diferença entre fazer deploy na sexta à tarde e ter um ataque de pânico, ou fazer o deploy e ir curtir o fim de semana.
Resumindo: Código bom é simples, claro e previsível. É escrito primeiro para humanos, depois para máquinas.
Seu kit de ferramentas para garantir a qualidade
Princípios são ótimos, mas eles não se sustentam sem sistemas para colocá-los em prática. Confiar apenas na disciplina humana é uma receita para o fracasso. Aqui estão as ferramentas e processos que transformam boas intenções em prática consistente.
Implementando lint e formatação para a qualidade de código JavaScript
Isso é o básico do básico. Inegociável. Revisões manuais de estilo de código são uma perda de tempo deprimente. Automatize.
- ESLint: O verificador de gramática. O ESLint analisa seu código em busca de padrões problemáticos. Ele pode pegar de tudo, desde variáveis não utilizadas até violações das regras de hooks do React. Comece com uma configuração recomendada (como
eslint:recommended
ou a do Airbnb) e personalize-a com o tempo. - Prettier: O formatador automático. O Prettier é um formatador de código opinativo. Ele pega seu código e o reescreve de acordo com um conjunto consistente de regras. A mágica aqui é que ele acaba com todas as discussões sobre estilo. Só existe um estilo: o do Prettier.
O verdadeiro truque? Integre essas ferramentas no seu workflow para que seja impossível ignorá-las. Use uma ferramenta como o Husky para rodá-las como um pre-commit hook. Se o código não passar nas verificações de lint e formatação, ele nem pode ser commitado. Problema resolvido.
Uma estratégia de testes robusta
Testes são sua rede de segurança. Eles permitem que você refatore com confiança e pegue regressões antes que cheguem em produção. Mas nem todos os testes são iguais. Você precisa de uma combinação.
- Testes unitários (Jest, Vitest): Eles são a sua base. Testam uma única função ou componente de forma isolada. São rápidos, fáceis de escrever e dão feedback imediato. Foque em funções puras e na lógica de negócio crítica aqui.
- Testes de integração: Eles verificam como múltiplas unidades funcionam juntas. Para o front-end, é aqui que ferramentas como a React Testing Library brilham. Em vez de testar detalhes de implementação, você testa um componente da mesma forma que um usuário interage com ele. Clicar neste botão renderiza o modal correto?
- Testes de ponta a ponta (E2E) (Playwright, Cypress): Este é o chefão final. Testes E2E abrem um navegador real e simulam uma jornada de usuário completa. “Um usuário consegue fazer login, adicionar um item ao carrinho e finalizar a compra?”. Eles são mais lentos e frágeis que outros testes, mas são indispensáveis para validar fluxos de usuário críticos.
Não busque 100% de cobertura de código. É uma métrica de vaidade. Busque 100% de confiança nos seus caminhos críticos.
Processos de code review que funcionam
Um bom code review é uma sessão de compartilhamento de conhecimento, não um julgamento. Seu propósito é melhorar o código e os desenvolvedores, não apontar culpados.
- Estabeleça diretrizes- O que os revisores devem procurar? Dica: não são erros de digitação ou violações de estilo (o linter cuida disso). Foque no quadro geral: isso resolve o problema de forma eficiente? A arquitetura é sólida? Existem casos de borda (edge cases) que deixamos passar?
- Mantenha os pull requests (PRs) pequenos – Revisar um PR de 1.000 linhas é impossível. Você só passa o olho e aprova. Um PR de 100 linhas pode ser entendido e revisado com atenção. PRs pequenos e focados são a maior melhoria que você pode fazer no seu processo de CR.
- Use as ferramentas – Você pode usar a Kody pra te ajudar a revisar
Documentação que as pessoas realmente leem
Sejamos honestos: a maior parte da documentação fica obsoleta. O segredo é criar o tipo certo de documentação e mantê-la perto do próprio código.
- READMEs são seus amigos. Todo projeto, e talvez até cada pasta de feature importante, deveria ter um README. Ele deve explicar o porquê por trás do projeto, como rodá-lo e quaisquer decisões de arquitetura importantes.
- JSDoc para APIs. Se você está escrevendo uma função ou módulo que será consumido por outros desenvolvedores, use JSDoc para documentar seus parâmetros, valores de retorno e propósito. Editores modernos conseguem ler isso e fornecer um IntelliSense útil.
- Comente o porquê, não o o quê. Evite comentários como
// incrementa i
. Isso a gente já vê no código. Em vez disso, escreva comentários que expliquem as partes complicadas, os motivos de negócio ou as concessões feitas:// Tivemos que fazer isso de um jeito estranho por causa de um bug na API legada (JIRA-123)
.
O verdadeiro segredo: é sobre cultura
Você pode ter as melhores ferramentas do mundo, mas se a cultura do seu time não valoriza a qualidade, você está travando uma batalha perdida. Essa é a parte difícil, a que exige liderança e engajamento.
Mudando a mentalidade
Qualidade não pode ser uma etapa separada que você adiciona no final. Não é uma “fase de QA” ou uma “sprint de refatoração”. Tem que ser parte da conversa desde o início. Ao planejar uma feature, pergunte: como vamos testar isso? Como isso impacta nossa arquitetura atual? Qual é a forma mais simples possível de construir isso para que seja fácil de manter?
Isso significa celebrar o engenheiro que passa um dia simplificando um módulo complexo tanto quanto aquele que entrega uma nova feature chamativa. Significa dar aos desenvolvedores o tempo e a autonomia para pagar a dívida técnica.
Automatize tudo no CI/CD
Seu pipeline de CI/CD é onde seus padrões de qualidade se tornam lei.
Cada commit deve disparar automaticamente uma build que roda seu linter, formatador e todos os seus testes automatizados. Se qualquer passo falhar, a build fica vermelha, o PR é bloqueado e nada é mergeado. Isso cria um loop de feedback incrivelmente poderoso e rápido. Os desenvolvedores sabem em minutos se a mudança deles introduziu um problema, não dias depois quando um QA o encontra.
É uma jornada, não um destino
Melhorar a qualidade do código não é um projeto pontual que você pode marcar como concluído. É uma prática contínua, um conjunto de hábitos que você e seu time constroem com o tempo.
Você não vai consertar uma codebase legada da noite para o dia. Você não vai conseguir a adesão de todos em um dia. O segredo é começar pequeno. Escolha uma coisa desta lista e implemente. Configure um linter. Adicione um teste unitário a uma função crítica. Proponha um limite de tamanho para PRs.
Esforços pequenos e consistentes se acumulam e geram melhorias enormes na sua codebase, no seu produto e na felicidade do seu time.